Saúde
Pesquisa da UFPel sobre amamentação é publicada em revista científica inglesa
É a mais ampla e detalhada análise de dados já realizada sobre o tema em nível mundial
É fundamental regular a comercializaçãoda indústria multibilionária do leite materno substituto (Foto: Carlos Queiroz/DP)
Apenas uma em cada cinco crianças são amamentadas até um ano de idade, em países de alta renda. Quando o cenário são as nações de baixa e média rendas, somente um em cada três bebês são exclusivamente amamentados ao longo dos primeiros seis meses. É o que está demonstrado em estudo liderado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas e faz parte de artigo da revista científica The Lancet, publicada nesta sexta-feira (29) na Inglaterra e quarta-feira no Brasil. É a mais ampla e detalhada análise de dados já realizada sobre o tema em nível mundial.
E o trabalho dos pesquisadores da UFPel vai além. Faz soar um outro alerta: o aumento do aleitamento materno - para níveis quase universais - poderia salvar mais de 800 mil vidas de crianças, por ano, no mundo. É o equivalente a 13% de todas as mortes dos pequenos, menores de dois anos. E os benefícios, claro, também valem para as mães. A estimativa é de que aproximadamente 20 mil mortes por câncer de mama também poderiam ser evitadas a cada ano, com uma aposta forte na amamentação.
E não há divisão entre ricos e pobres. “Há um equívoco generalizado de que os benefícios da amamentação dizem respeito apenas ao países pobres. Nada poderia estar mais longe da verdade”, destaca o doutor em Epidemiologia, Cesar Victora. E a afirmação está embasada. A análise de dados de 28 revisões sistemáticas de literatura - 22 encomendadas especificamente para produção da série de artigos - indicou: a síndrome da morte súbita é 36% menor em bebês que mamam. Já o número de óbitos por enterocolite necrotizante (uma infecção intestinal aguda) é 58% menor, se comparadas as crianças que mamam com aquelas que não têm acesso ao leite materno. São resultados que precisam ganhar força entre as comunidades de alta renda, onde as mortes por diarreia e pneumonia, em geral, já não ocorrem.
É um dos aspectos mais relevantes do estudo. “É um incentivo para que as pessoas reposicionem essa percepção de que a amamentação é importante porque reduz a mortalidade, evita infecções e mata a fome só de quem está na favela”, reitera o doutor em Epidemiologia, Aluísio de Barros. As vantagens são para todos, em casebres ou palacetes. Não há distinção. E ultrapassa o fortalecimento do sistema imunológico e os benefícios nutricionais - leia mais na página 3.
É preciso conter um dos vilões
O artigo científico também deixa outra reflexão: é fundamental regular a comercialização e a propaganda da indústria multibilionária do leite materno substituto, que tem prejudicado a amamentação como a melhor prática de alimentação no início da vida. Para se ter ideia do mercado do leite em pó, em 1987, as vendas atingiam cerca de 2 bilhões de dólares. Em 2014, entretanto, esse valor já havia saltado para 40 bilhões.
E para crescer ainda mais, as estratégias de marketing, agressivas, agora voltam-se aos países de renda média. E há motivos para isso. Em nações com alto poder aquisitivo já há um esgotamento. Uma saturação, com altos volumes de vendas. Uma realidade demonstrada pelas baixas taxas de aleitamento materno até os 12 meses de idade, particularmente em países ricos, como Reino Unido (1%), Irlanda (2%) e Dinamarca (3%).
“Há um equívoco generalizado de que o leite materno pode ser substituído por produtos artificiais sem consequências prejudiciais”, enfatiza Victora, líder da série apresentada pela Lancet. “Existem componentes biológicos ativos que o leite em pó nunca vai ter”, engrossa o coro, Aluísio.
As orientações foram repassadas durante o pré-natal. E a balconista quer, sim, seguir à risca. Mas, logo de largada, Taís Maciel, 27, experimenta os desafios da maternidade em dose dupla. “Sei da importância da amamentação e quero muito amamentar”, resumiu, ao tirar a primeira foto com os gêmeos Arthur e Bernardo nos braços, hoje com 14 dias de vida. E nesse troca-troca com os pequenos, quase que um deles ficou sem a mamada. Claro que rapidinho, apesar de ser mamãe de primeira viagem, Taís percebeu que aquela calmaria toda em frente ao peito, só poderia ser sinal de barriga cheia. “Me enganei e estava oferecendo leite, de novo, para o mesmo”, descontrai.
A pelotense Elisângela Moreira, 40, também garante: quer investir na amamentação como aliada à saúde do caçula Rodrigo, que apenas aguardava chegar aos dois quilos para ganhar alta do Hospital-Escola da UFPel, onde nasceu com 1,395 quilo, com 30 semanas de gestação. “Hoje, ele tá com 1,975. Os irmãos, menores, estão ansiosos em conhecê-lo.” Rodrigo é o sexto filho da manicure. E se depender da vontade com que suga o leite que irá lhe assegurar estar no seio familiar, irá tornar-se o primeiro a atingir os dois anos de amamentação, recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). “É um baita esganado”.
Outro extremo. O olhar de ternura segue ali. A pequena Maria Clara, de cinco anos de idade, ainda lança apelos para aconchegar-se ao peito e mamar antes de dormir e, às vezes, pela manhã. Para contar ao Diário Popular o quanto gostava de estar aninhada à mãe, logo, Maria Clara ergue os cinco dedos ao alto. Leia-se, então, a resposta: “Muito”. E, quando conversa com a mãe sobre a necessidade de romper com esse vínculo, rapidinho promete que, aos sete anos, irá largar a “tetinha”, como chama o lugar sagrado, onde pega no sono todas as noites.
“Sei que precisamos encontrar uma maneira de parar. Mas ainda não conseguimos”, admite a mãe, a comerciante Cláudia Hoch, 36. Sedepender da pequena, é um processo que ainda está longe de chegar ao fim. É um processo, em geral, associado a questões de fundo emocional. Psicológico. “É como se fosse uma extensão do cordão umbilical que ainda permanece”, explica o pesquisador Aluísio de Barros. Um elo a ser desfeito, com carinho.
Benefícios de sobra da amamentação
* Para o bebê
- Fortalece o sistema imunológico
- Reduz a mortalidade por infecções, como diarreia e pneumonia
- Aumenta a capacidade cognitiva, isto é, está associada ao desenvolvimento intelectual mesmo na vida adulta, já que o leite materno possui substâncias e nutrientes essenciais para formação do cérebro. Está, portanto, relacionada ao desenvolvimento da inteligência.
- A sucção ajuda a reduzir a má-oclusão dentária.
- Reduz a ocorrência de sobrepeso e diabetes.
- A série de artigos da Lancet também destacou: a síndrome de morte súbita é 36% menor em crianças que mamam, assim como os óbitos por enterocolite necrotizante (infecção intestinal aguda); um índice 58% menor em bebês que ficaram mais tempo ao peito.
Taís e os gêmeos Arthur e Bernardo (Foto: Carlos Queiroz/DP)
* Para a mãe
- Protege a mulher contra os cânceres de mama e de ovário.
- Torna mais rápida a perda de peso no período pós-parto.
- Indicações - ainda não totalmente comprovadas pela Medicina - apontam que a amamentação possa proteger a mulher também contra o diabetes e a obesidade.
* Para os cofres públicos
Os pesquisadores do Centro de Epidemiologia também se envolveram em cálculos que revelaram: elevar as taxas de aleitamento materno para crianças menores de seis meses de idade a 90% nos Estados Unidos, na China e no Brasil e 45% no Reino Unido enxugaria gastos com o tratamento de doenças comuns na infância (como pneumonia, diarreia e asma) e se transformaria em economia para os sistemas de saúde: 2,45 bilhões de dólares nos Estados Unidos, 29,5 milhões no Reino Unido, 223,6 milhões de dólares na China e seis milhões de dólares no Brasil.
Fique alerta
- Não existe leite fraco. É mito. O leite materno é o alimento mais completo e equilibrado que existe. Se o seu bebê chora poucas horas depois de ter mamado, ofereça o peito de novo. Não há contraindicações nem uma regra que fixe os intervalos. “As crianças não são iguais nem as mamadas são iguais”, lembra Aluísio de Barros.
- Até completar os seis meses, os bebês não precisam de nenhum outro tipo de alimento além do leite materno. Nenhum outro tipo de líquido: chá, água ou suco. Não caia nos palpites de familiares e amigos.
- A produção de leite está associada à sucção e ao consumo. Daí entende-se que quanto mais o nenê mamar, mais a mulher tende a produzir. Em caso de produção baixa, converse com profissionais da área médica.
- Não introduza outros tipos de leite. Nenhum deles terá os benefícios do leite materno. Os casos em que o bebê toma leite de vaca e dorme por mais horas, há explicação: é como as situações em que uma pessoa vai a uma churrascaria, por exemplo, come em excesso e passa horas e horas sem ingerir mais nenhum alimento. O leite de vaca é muito pesado ao bebê. Além disso, com o uso da mamadeira - também para os leites em pó -, a criança não faz esforço para mamar. Para ela é mais fácil. Por isso, poderá preferir a substituição.
Saiba também
O bebê nasce com uma reserva que o permite ficar até 72 horas sem se alimentar. Por isso, o ideal é que a mãe se mantenha o mais tranquila possível para que a amamentação - natural, simples e de graça - ocorra normalmente. Os casos em que a ansiedade acaba por prejudicar o processo, podem ser revertidos em conversas com seu obstetra ou com o pediatra de seu filho. Se necessário, existe, inclusive, medicação para estimular a produção de leite.
O que diz a OMS
- Até os seis meses de idade, o leite materno deve ser o único alimento do bebê.
- A orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS) também indica a amamentação até os dois anos de idade.
Mas é importante ter claro: “É uma recomendação. Não é uma lei inquebrantável”, lembra Aluísio. “É uma meta a ser seguida pelas mulheres na medida do seu possível, sabendo que quanto mais melhor, principalmente, conhecendo todos os benefícios”.
Quais os caminhos para aumentar os níveis de amamentação?
1º) Promover o aleitamento materno. A amamentação não deve ser vista como a decisão de uma mulher e, sim, como responsabilidade de um país, ao implementar suas políticas públicas - defende o líder da série de artigos, Cesar Victora. A ampliação dos períodos de licença-maternidade é um exemplo. Em países desenvolvidos, como a Suécia e a Noruega, as trabalhadoras podem permanecer em casa durante um ano junto aos seus filhos.
2º) Regulamentar a venda e o marketing das indústrias de leite em pó. Medidas como a distribuição de amostras grátis do produto devem ser proibidas. O Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno deve ser cumprido.
3º) Os hospitais e os serviços de saúde devem conscientizar a população sobre a importância da amamentação - ainda durante o pré-natal - e favorecê-la ainda na primeira hora de vida. Os Bancos de Leite Materno também devem ser incentivados para os bebês que, eventualmente, não possam ir para o peito de suas mães, tenham acesso ao leite materno.
4º) O empregador também deve se preparar para criar condições que propiciem a essa mulher apostar na amamentação, seja com a implementação de espaços apropriados para tirar o leite, seja com a criação de ambientes, como creches, que permitam a funcionária amamentar no local de trabalho.
5º) A imprensa, a sociedade civil e as Organizações Não Governamentais (ONGs) também devem engajar-se em campanhas que estimulem e destaquem a relevância do assunto.
6º) A sociedade deve estar preparada para encarar com naturalidade - sem críticas, pudor ou erotização - a cena de uma mãe amamentando seu filho em locais públicos. “A amamentação não é uma opção pessoal. É uma decisão social, que passa por apoiar essa mulher e favorecer que ela possa amamentar”, enfatiza o doutor em Epidemiologia, Cesar Victora.
Conheça melhor a série de artigos publicados na revista The Lancet
- A análise é a mais completa já realizada sobre amamentação no mundo.
- Os pesquisadores se debruçaram sobre 28 revisões de literatura e fontes de dados; 22 encomendadas especificamente para a série a ser publicada na revista The Lancet.
- Foram analisadas informações de 127 países de renda média e baixa e de 37 países ricos.
- O estudo foi liderado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel, mas também contou com outros profissionais vinculados à OMS.
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